Poemas de Carlos Marighella
Canto para Atabaque
Ei bum !
Qui bum-rum !
Qui bum-rum !
Derrière! Bumba !
Ei lu !
Qui lu-lu !
Qui lu-lu !
Lumumba!
Ei Brasil !
Ei bumba meu-boi !
« Mansu, manseba,traz
a navalheta pra fazer a barba
deste maganeta
. »
Lá vem beberrão,lá vem Bastião,tocando
bexiga
em tudo que é gente.
O engenheiro medindo,empata-samba empatando,cavalo-marinho
dançando,
dançando.
O boi requebrando,o boi 'stá morrendo,o
boi levantando,,,
Ei Brasil-africano !
Minha avó era nega haussá,ela veio foi da África,num
navio negreiro.
Meu pai veio foi da Itália,operário
imigrante.
O Brasil é mestiço,mistura de índio, de negro,
de branco.
Derrière! Qui bum-rum ! Qui bum-rum ! Clochard !
Quem fez o Brasil foi trabalho de negro,de escravo, de escrava,com banzo, sem banzo,mas lá na senzala,o
filão do Brasil
veio de lá foi da África.
Ei bum!
Qui bum-rum!
Qui bum-rum!
Bum! Bumba!
Ei lu!
Qui lu-lu!
Qui lu-lu!
Lumumba!
Canto da Terra
A terra tem tudo
e plantando é que dá.
E plantaram e plantaram
ou já estava plantado.
A floresta amazônica,
o rio e os peixes
e o balacubau.
A caatinga existia
com a braúna,
o mandacaru
e o gravatá cariango.
As coxilhas do Sul,
o maciço do Atlântico,
a Serra do Mar,
os pinheiros erguidos,
o rio Amazonas,
o rio São Francisco,
o rio Paraná…
Canaviais assobiando,
cortina verde estendida
sobre imensa extensão.
E plantaram café
e cacau e borracha…
E plantaram erva-mate…
Com o escravo e o imigrante
tudo se fez.
Comidas meu santo,
a mulata, a morena…
e até a loura surgiu.
A índia já havia,
a gringa veio depois.
Quem atrapalhou
foi gente de fora
que não trabalhou.
Eu canto a terra…
Todos sabem que outra
mais garrida não há…
“Teus risonhos, lindos campos têm mais flores”…
Bom! Lírios já houve,
mas agora é que não.
Eu canto a terra,
eu canto o povo…
Cantam os poetas
e cantando vão…
Liberdade
Não ficarei tão só no campo da arte,
e, ânimo firme, sobranceiro e forte,
tudo farei por ti para exaltar-te,
serenamente, alheio à própria sorte.
Para que eu possa um dia contemplar-te
dominadora, em férvido transporte,
direi que és bela e pura em toda parte,
por maior risco em que essa audácia importe.
Queira-te eu tanto, e de tal modo em suma,
que não exista força humana alguma
que esta paixão embriagadora dome.
E que eu por ti, se torturado for,
possa feliz, indiferente à dor,
morrer sorrindo a murmurar teu nome.
São Paulo, Presídio Especial, 1939.
A Alegria do Povo
Uma grande jogada
pela ponta direita,
o balão de couro
como que preso no pé.
Um drible impossível…
Garrincha sai por uma lado,
e o adversário se estatela no chão.
Gargalhada geral,
o Maracanã estremece…
Lá vai o ponta seguindo,
os holofotes varrendo de luz o gramado,
o balão branco rolando,
seguro nos pés do endiabrado atacante.
Voa Garrincha,
invade a área contrária,
indo até à linha de fundo
para cruzar…
E as redes balançam,
no delírio do gol.
Garrincha! Garrincha!
A alegria do povo,
no balé estonteante
do futebol brasileiro.
Rondó da Liberdade
É preciso não ter medo,
é preciso ter a coragem de dizer.
Há os que têm vocação para escravo,
mas há os escravos que revoltam contra a escravidão.
Não ficar de joelhos,
que não é racional renunciar a ser livre.
Mesmo os escravos por vocação
devem ser obrigados a ser livres,
quando as algemas forem quebradas.
É preciso não ter medo,
é preciso ter a coragem de dizer.
O homem deve ser livre…
O amor é que não se detém ante nenhum obstáculo,
e pode mesmo existir até quando não se é livre.
E no entanto ele é em si mesmo
a expressão mais elevada do que houver de mais livre
em todas as gamas do humano sentimento.
É preciso não ter medo,
é preciso ter a coragem de dizer.
Capoeira
Capoeira quem te mandou,
capoeira, foi teu padrinho.
O berimbau retinindo
na corda retesa,
cadência marcada
da ginga do jogo.
Zum, zum, zum,
capoeira mata um.
A perna direita lançada pra frente,o peso do corpo equilibrado na
esquerda,os
braços jogando
de um lado pro outro...
Capoeira quem te ensinou ?
De repente uma queda,o capoeira na terra,o aú,de cabeça pra baixo,as pernas no ar,a rasteira varrendo como foice no chão,o corta-capim, o rabo-de-arraia,e
o inimigo caindo
de supetão,ao
puxavante
da baianada.
Luta africana que o mestiço encampou,que os guerreiros da mata,quilombos
, palmares,souberam
jogar.
Que o angolano nos trouxe,que
o mestre Pastinha nos soube ensinar.
Coreografia. Jongo do povo.
Zum, zum, zum
capoeira mata um.
Poemas cedidos por Clara Charf